SONHO DAS IMAGENS

Retirada do lixo, começo uma nova história. Meu passado não foi investigado na fria mesa de luz, assim se manterá camuflado. Minha gestação acompanha o ciclo da jabuticabeira.  

  • como um colo de mãe que embala o filho no ventre. O cordão umbilical me conecta à arvore e gero sonhos. Pequenas flores, grudadas no tronco, exalam um perfume amarelo ao amanhecer. Danço ao ritmo do vento invisível, que finge querer me levar.

    Preciso de dias ou semanas me banhando nas chuvas. Os sons dos tempos se alteram como as estações. Costuro minha árvore genealógica.

    Nasço dessa comunhão. Sonho o mundo filtrado por registros passados. São cores azuis, verdes, mescladas pela memória e pela paisagem ao meu redor. As abelhas, maritacas, tucanos, macacos, jacus, veados, vespas, parasitas, unicórnios, rolinhas, entre tantos outros seres, fazem parte desse cenário. Ganho outros horizontes para reproduzir.

    Caio sobre um formigueiro fresco, que se formou embaixo do tronco. Essa aglomeração de insetos irá desaparecer, transitória, como as frutas no pé.

    As formigas ligeiras me atravessam, passam por toda a moldura como se escalassem montanhas íngremes, em busca de segredos efêmeros. Guardo o brilho da película. Mas em breve ficarei semienterrada, opaca, entre folhas secas, esperando.

    Vejo palmeiras enfileiradas lado a lado. Aprendo com os pássaros a voar. Meu olhar não se retém por muito tempo, tudo fica nebuloso. As bananeiras revelam outros contornos, sensuais, que se mesclam e se fundem.

    Rompo barreiras, caminho na estrada. Escolho alguns pontos para me deixar ficar. As folhas se lavam nas tempestades. Alguma dessas águas podem me carregar até alcançar o rio, ou talvez fique perdida no mato.

    Corro o risco, a vida é feita de perigos. Aceito rumos incertos. Alguns ficam registrados, outros se perdem. A jararaca vigilante, aguarda imóvel, pronta para dar o bote. Final de tarde, cobras e bruxas saem para caçar memórias. O sol ilumina meu passado delírio futuro, pela última vez. A janela entreaberta, a cortina esvoaçante, são convites para penetrar no casarão, tão antigo como nossas vidas passadas. Pinço lascas, recolho vestígios secretos. Olhares femininos divagam e me acompanham ao projetar futuros no papel de parede. São sonhos que se conectam para criar narrativas, como as teias de aranha entrelaçadas em cantos invisíveis.

    Lagartixa e borboleta, lá fora ou lá dentro, assim como eu, como nós, perdem a tinta, o brilho, se partem. Ficam opacas, suja de terra, são imagens com outro matiz, que, em outro casulo, recomeçam. Futuro incerto. Morte também é sonho. Seu registro leva a metamorfose,

    Sognarium.

 
 
 

SUEÑO DE IMÁGENES

Rescatada de la basura, comienzo una nueva historia. Mi pasado no fue investigado en la fría mesa de luz: así se mantendrá camuflado.
Mi gestación va con el cliclo de la jabuticabeira

  • como un regazo de madre que envuelve a su hijo en el vientre. El cordón umbilical me conecta al árbol y de mí brotan sueños. Pequeñas flores, pegadas al tronco, exhalan un perfume amarillo al amanecer. Danzo al ritmo del viento invisible, que finge quererme llevar. No estoy madura para tomar otros rumbos. Necesito días o semanas bañándome en las lluvias. Los sonidos del tiempo se alteran con las estaciones. Coso mi árbol genealógico.

    Nazco de esta comunión. Sueño el mundo filtrado por registros pasados. Son colores azules, verdes, mezclados por la memoria y por el paisaje a mi alrededor. Abejas, periquitos, tucanes, micos, árboles de pan, venados, avispas, parásitos, unicornios, torcazas, entre tantos otros seres, hacen parte de este escenario. Recibo otros horizontes para reproducir.

    Caigo sobre un hormiguero fresco, que se formó debajo del tronco. Esa aglomeración de insectos desaparecerá, transitoria, como las frutas en el pie. Las ligeras hormigas me atraviesan, recorren mi silueta como si escalaran montañas empinadas, en busca de secretos efímeros. Guardo el brillo de la película. Pero pronto quedaré casi enterrada, opaca, entre hojas secas, esperando.

    Veo palmeras en fila, lado a lado. Aprendo a volar con los pájaros. Mi mirada no se detiene por mucho tiempo, todo se nubla. Los platanales revelan otros contornos, sensuales, que se mezclan y se funden.

    Rompo barreras, camino en la carretera. Escojo algunos puntos para quedarme. Las hojas se lavan en las tempestades. Algunas de esas aguas me pueden cargar hasta alcanzar el río, o tal vez me pierda en el monte. Corro el riesgo, la vida está hecha de peligros. Acepto rumbos inciertos. Algunos quedan registrados, otros se pierden. La jararaca vigilante, aguarda inmóvil, lista para dar el bote. Fin de tarde, cobras y brujas salen a cazar memorias. El sol ilumina mi pasado delirio futuro, por última vez.

    La ventana entreabierta, la cortina danzante, son invitaciones a penetrar el caserón, tan antiguo como nuestras vidas pasadas. Pellizco fragmentos, recojo vestigios secretos. Miradas femeninas divagan y me acompañan al proyectar futuros en el papel de pared. Son sueños que se conectan para crear narrativas, como las telarañas entrelazadas en rincones invisibles.

    Lagartija y mariposa, allá afuera o allá adentro, así como yo, como nosotros, pierden el color, el brillo, se parten. Se hacen opacas, sucias de tierra, son imágenes con otro matiz, que en otro capullo, recomienzan. Futuro incierto. Muerte también es sueño. Su registro lleva a la metamorfosis, Sognarium.

 
 
 

DREAM OF IMAGES

Trash removed from the trash, I start a new story. 
My past was not investigated in a cold light table, so it will remain concealed. My gestational time follows the cycle of the jabuticaba tree, 

  • like a mother that cradles her child in her womb. The umbilical cord connects me to the tree and I breed dreams.
    Small flowers, clinging to the trunk, give off a yellow perfume at dawn.
    I dance to the rhythm of the invisible wind, which pretends to want to take me.
    I'm not ripe to take other paths.
    I need days or weeks of bathing in the rain.
    The sounds of times change like the seasons. I stitch up my family tree.

    I stem from this communion.
    I dream the world filtered through past records. Colors: blue, green, dappled by memory and landscape around me.
    Bees, parrots, toucans, monkeys, guans, deer, wasps, parasites, unicorns, turtledoves, among so many other beings, they are part of this scenery.
    I achieve other horizons to reproduce.

    I fall onto a fresh anthill formed under the trunk.
    This cluster of insects will disappear, transient, like the fruit on the tree.
    The hasty ants pass through me, sweep across the frame as if climbing steep mountains, in search of ephemeral secrets.
    I keep the glow of the slide.
    But soon I will be half-buried, opaque, among dry leaves, waiting.

    I see palm trees lined up side by side.
    I learn from flying birds.
    My gaze doesn't hold for long, everything gets hazy.
    Banana trees reveal other contours, sensual, that mix and merge.

    I break through barriers, I walk on the road.
    I choose a few spots to let me stay.
    Leaves wash in storms.
    Some of these waters can carry me to the river, or maybe I’ll get lost in the bushes.
    I take the risk, life is made of dangers.
    I accept uncertain routes.
    Some remain registered, others are lost.
    The watchful viper waits motionless, ready to attack.
    Late afternoon, snakes and witches go hunting for memories.
    The sun illuminates my past future delirium for the last time.

    The half-open window, the fluttering curtain, are invitations to enter the manor, as old as our past lives.
    I pick up woodchips, collect secret traces.
    Feminine gazes wander and accompany me as I project futures onto the wallpaper.
    These are dreams that connect to create narratives, like spider webs intertwined in invisible corners.

    Lizard and butterfly, there outside or there inside, just like me, like us, lose paint, the shine, they break.
    They become opaque, soiled with earth, they are images with a different hue, which, in another cocoon, resume.
    Uncertain future.
    Death is also a dream.
    Its record leads to metamorphosis, Sognarium.